Fernando retornou ao seu local de estágio com um sorriso no rosto. Ele trabalhava lá havia 4 meses, porém ganhava muito pouco. Estagiários ganham mal por natureza, mas "capricharam" no salário de Fernando. Não pega nem bem citá-lo nessa história. Mas agora tudo seria melhor. Fernando já havia passado pela entrevista inicial com a empresa consultora em RH, e depois, na dinâmica de grupos (que envolvia pelo menos 30 pessoas) havia obtido sucesso novamente. O pior já foi e ele sabia disso. Agora seria tudo mais fácil. Ele seria entrevistado por um profissional da mesma área, um designer gráfico de verdade, que pensava como ele, que tinha imaginação e disposição como ele. Fernando mal podia esperar pela entrevista. Terminou o dia de trabalho no escritório, chegou em casa e caprichou no portfólio. Separou os melhores trabalhos, a melhor roupa e preparou tudo para o horário certo do dia seguinte. Diria no estágio que chegaria alguns minutos atrasado, pegaria o metrô a duas quadras de sua casa, direto pro local e então tudo de bom lhe aguardava: um salário melhor, e benefícios maravilhosos jamais sonhados para estagiários como vale transporte e vale refeição.
Falando em metrô, Fernando iria trabalhar em um órgão público! Olhe só que chique. Isso mesmo, a entrevista era para fazer parte da equipe de designers de um órgão do governo de São Paulo. Era um estágio, mas ainda assim tinha muita glória.
No dia seguinte, mais um dia de sol e Fernando chegou ao local com meia hora de antecedência. É pedido que ele aguarde na recepção. Enquanto espera aparecem mais candidatos - aqueles que passaram na dinâmica também, observa ele. No total chegaram mais 4 garotos, nenhum deles era o tipo "Sabe-tudo-que-vai-pegar-a-vaga", para a alegria de Fernando. Apesar dos outros rapazes serem muito legais, ele estava confiante em si próprio. Se uma dinâmica envolvendo mímica e jogo-da-velha de olhos vendados não o parou, nada mais pararia.
Após 1 hora de espera, o que não significa absolutamente nada na vida de estagiários, quanto mais a aspirantes a estagiários, os cinco jovens designers foram chamados. Ao entrarem na sala uma mulher por volta de seus 50 anos dita as regras, curta e grosa: "Olá, temos apenas uma vaga. Para trabalhar efetivamente aqui, apenas com concurso público. Não se animem, pois o contrato é de 6 meses apenas sem chances de efeticação". Não é preciso dizer que Fernando e todos os concorrentes-amigos não gostaram muito de ouvir aquilo, mas logo ela compensou um pouco: "Além da bolsa auxílio, o estagiário terá passe livre pelo metrô e vale refeição. O expediente é de 6 horas". Pronto, agora sim, pensou Fernando, trabalhar 2 horas a menos e dobrar o patrimônio, isso sim era um belo salto em sua curta carreira até então. A moça do RH finalizou: "Peço que preencham essa ficha e me entreguem junto aos seus currículuns" e saiu da sala em seguida.
Fernando preencheu todos os dados e até caprichou na letra. Não queria estragar nada. No local onde perguntava o tipo de condução utilizada sentiu orgulho ao citar que precisaria de apenas um tíquete de metrô. Tudo para facilitar e disponibilizar o quanto antes suas habilidades aos selecionadores.
Passados 5 minutos a mulher entrou na sala, recolheu as fichas e disse: "Agora peço que saiam pois vou avaliar alguns dados aqui. De vocês, selecionarei apenas 3 para a entrevista".
Epa, aquilo estava começando a cheirar mal. Na tão agraciada ligação por telefone, a moça do RH havia sido clara em informar que aquela seria, de fato, a entrevista final. Como assim selecionar apenas 3? "Viemos aqui pra preencher uma ficha?", perguntou-se Fernando, impotente. Decidiu não se estressar com isso e passou os 5 minutos aproveitando o luxo de uma máquina de café gratuita, coisa inimiginável no mundo em que estava acostumado.
Epa, aquilo estava começando a cheirar mal. Na tão agraciada ligação por telefone, a moça do RH havia sido clara em informar que aquela seria, de fato, a entrevista final. Como assim selecionar apenas 3? "Viemos aqui pra preencher uma ficha?", perguntou-se Fernando, impotente. Decidiu não se estressar com isso e passou os 5 minutos aproveitando o luxo de uma máquina de café gratuita, coisa inimiginável no mundo em que estava acostumado.
A senhora então chamou-os para entrar. Entraram os cinco meio sem-jeito e sentaram-se. "Roberto?", disse a moça. Todos ficaram imóveis, o Roberto e os não-Roberto. Todos aguardando o pior. "Você esqueceu de me entregar o currículum quando solciitei...". O tal do Roberto apressou-se a entregar a folha com um inaudível "Desculpe" de brinde. O silêncio permaneceu total por mais 10 segundos. 10 longos segundos de tensão e suor frio. Até que a senhora quebrou o silêncio novamente dizendo: "Paulo..." Todos ficaram duros novamente aguardando o pior. E agora? Mais um aviso? Ele foi selecionado? Foi descartado? Ela então continuou: "e Fernando...". "Ai meu Deus!", pensou Fernando, "Fudeu! É agora... ou vai nos escolher ou nos mandar pra fora. O que eu faço? O que será de mim?". Esse e mais outros 32 pensamentos passaram pela cabeça do pobre garoto no intervalo de 4 segundos - prova substancial de que os estagiários pensam muito rápido - até a senhora completar: "Vocês foram excluídos devido à questões de localidade. Obrigado e podem se retirar".
Fernando ficou sem palavras. Foi como um relâmpago na cabeça. Não conseguiu nem mandar aquele patético: "Como assim?" que não resolveria nada de qualquer forma. Caminhou pelos corredores para fora da empresa sem conseguir esboçar uma expressão facial definida. Estava dividido entre o ódio mortal e a indignação. Essa mistura de emoções provocou uma involuntária desatenção completa contra tudo a sua volta. Não viu quando os outros dois também desafortundados se desviaram no caminho silencioso e enfadonho. Fernando não conseguiu pensar em nada até chegar ao trabalho. Não conseguiu pensar no grande papel indigno de realmente ter ido até ali "apenas para preencher uma ficha", como havia colocado antes. Nem conseguiu pensar que a questão da localidade poderia ter sido resolvida antes mesmo da seleção dos curriculuns. Nem que ele havia passado por 2 etapas que realmente exigiram algo dele, sendo uma delas uma terrível dinâmica. E o mais importante, não conseguiu lembrar nem que morava a duas quadras da estação do metrô.
Quando recuperou a lucidez, alguns dias depois, achou a respota óbvia que trazia sentido praquele episódio bizarro: "Era uma vaga de estágio..."
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